O problema dos projetos “ombro-amigo” nas redes sociais
Certa vez, enquanto checava o Instagram e usava um intervalo para me atualizar nos stories, me deparei com uma página profissional de empreendedorismo, que naquele momento, estava respondendo perguntas dos seus seguidores. A pergunta que me chamou atenção e me fez despertar de um estado de relaxamento, foi a seguinte: “Como eu consigo autoconhecimento como o seu?”. Para mim, e tenho certeza que para meus colegas de profissão, aquela resposta era muito óbvia. Só há reconhecimento e mudanças sobre quem você é a partir de uma mudança de mentalidade, esta que muitas vezes só se consegue em um lugar: a psicoterapia. Embora esse fosse o caminho mais lógico, não foi o que a pessoa respondeu a outra. Na resposta em questão, dizia majoritariamente que ela encontrou em livros e nas muitas leituras que fez na vida o caminho para se autoconhecer. Pensei por alguns instantes se deveria ou não comentar sobre isso com o perfil que postou e decidi que sim. Mesmo que com medo de ser taxada como chata ou até mesmo “militante”, senti que era meu dever como psicóloga apontar que aquela resposta estava de certo modo, equivocada. Entendo que para muitas pessoas — e para aquela especificamente — , a indicação ou dica é feita a partir do que ela vivencia, porém há outras que em sua maioria só conseguem avançar no autoconhecimento enquanto o constroem juntas com um profissional durante a psicoterapia. E, a partir desse processo terapêutico, desenvolvem habilidades para caminhar sozinhas com leitura, mentorias, desabafos com os amigos etc. Somente a partir dessas habilidades e do fortalecimento que só o processo terapêutico proporciona, é que a pessoa talvez consiga absorver das leituras uma oportunidade de crescimento e autopercepção.
Este foi só um exemplo das inúmeras situações que me deparo constantemente, que de certa maneira me ferem e me colocam sempre na posição de “psicoeducar”. O trabalho psicoterapêutico não é algo simples, não é apenas escutar e vai muito além disso. Dedicamos muito tempo de esforço em grupos de estudos, supervisão (discussão de caso com outros profissionais), qualificações e todo caso é pensado individualmente.
“Continuamos indo trabalhar diariamente sendo nós mesmos, com nosso próprio conjunto de vulnerabilidades, nossos próprios anseios e inseguranças, bem como nossas próprias histórias.”
- trecho do livro “Talvez você deva conversar com alguém”
Além disso, embora tenhamos estudado e nos tornado capacitados para sermos imparciais nas questões que são levadas até nós, inclusive para não misturarmos com nossas próprias, não somos imunes a influências ou incômodos, e se não identificarmos esses momentos e trabalharmos em nossas demandas pessoais, elas podem nos adoecer. Se isso acontece a quem está preparado, você já se perguntou o que acontece com quem não está?
Sabemos que ajudar é uma atitude inerente ao ser humano, pois somos dotados de empatia e solidariedade. Seja para um amigo, um grupo de pessoas, ou uma comunidade; podemos dar vários exemplos de como o altruísmo modifica a vida, tanto daqueles que necessitam quanto dos que ajudam. Porém, é notório o crescimento de projetos nas redes sociais (e, às vezes, fora delas) de pessoas querendo ajudar, mas sem a devida qualificação. É o caso de algumas iniciativas que aparecem mascaradas, muitas vezes, de projetos “ombro-amigo”, em que o objetivo é quase sempre o mesmo: “ouvir o outro quando ele não estiver bem, oferecer um suporte para a pessoa que estiver passando por problemas em casa, questões de autoestima e autoaceitação”.
Mas até que ponto isso está certo? Quando averiguamos o objetivo dessas iniciativas, percebemos que não passam de pessoas sem a devida formação em Psicologia para desenvolver tais propostas. Além de irresponsável, é um exercício ilegal da profissão, cabível de denúncia no conselho que a rege, entre outras penalidades. Essa atitude não deve ser tomada, pois além de errado e antiético, é muito perigoso. Afinal de contas, são ações que lidam com vidas e traumas daqueles que buscam aliviar sofrimentos, muitas vezes, de uma vida inteira.
E como posso ajudar um amigo que tem problemas psicológicos?
Pode parecer complicado, mas é bem simples e conseguimos ajudar seguindo alguns passos (além do bom senso, claro!). Talvez o primeiro deles seja estar disposto a ouvir, que é uma atitude muito importante, pois mostra que você está ali por aquela pessoa. Ser empático é uma das características que mais estão em falta hoje em dia, é preciso entender que o outro tem questões internas e lutas diárias que desconhecemos, e às vezes o que ele mais precisa em um momento de crise é ser escutado. Depois disso, pode ser o caso de uma pequena orientação, com bastante tato ao falar, para que ele procure uma ajuda médica e/ou psicológica. Apesar de muito se falar atualmente sobre transtornos mentais, para algumas pessoas ainda há uma barreira entre reconhecer a questão e ir em busca de tratamento.
Passos bastante simples, certo? Bem, às vezes, as pessoas confundem essas duas ações, e por isso é bom lembrar que a escuta só é terapêutica e eficaz quando o ouvido é qualificado. O que queremos dizer com isso? Que somente psicólogos têm qualificação para realizar apoio psicológico. Quando projetos — como os que falei acima — são criados, acabam extrapolando limites que não deveriam. Não há mal nenhum em desabafar e escutar desabafos dos nossos amigos, mas levar isso como um tratamento ou usar disso como terapia não é legal.
Outras informações que podem ajudar:
O atendimento online é uma modalidade que o Conselho Federal de Psicologia autoriza e é tão eficaz quanto o atendimento presencial. Em tempos de pandemia, em virtude da COVID-19, esse tipo de atendimento é a melhor escolha e, às vezes, necessária. Apesar de muitos profissionais, clínicas e consultórios já terem voltado a atender presencialmente, se você ainda não se sente seguro em sair de casa, o atendimento online pode te dar esse suporte em tempos de crise, pense nisso!
Além do serviço particular, você sabia que o SUS¹ oferece atendimento e acompanhamento psicológico? Essa informação talvez possa não chegar a todos, mas é um serviço oferecido gratuitamente para a população! Procure a unidade básica de saúde, os centros e/ou postos de saúde mais próximos de você para obter mais informações de como funciona na sua região. Nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que também fazem parte do SUS, você encontra uma equipe multiprofissional composta por psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, enfermeiros, entre outras formações! Em caso de crise em horários que os serviços acima não estiverem disponíveis, é importante ressaltar que as UPAs, o SAMU e os Pronto Socorros, estão aptos a atender em caso de emergência!
Além da procura por profissionais qualificados, quem passa por algum momento de crise pode ligar para o CVV (Centro de Valorização da Vida), através do número 188. O atendimento é feito 24h, por pessoas que estão aptas para ajudar. Lembre-se que saúde mental é um assunto sério e deve ter espaço e reconhecimento de profissionais qualificados para falar sobre! Se estiver passando por alguma situação, busque ajuda profissional!
Revisado por: Brunna Martins
Referências:
¹Informações sobre a política pública de saúde mental no Brasil: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/centro-de-atencao-psicossocial-caps
² CVV: https://www.cvv.org.br/