BTS: Musicalidade & Criatividade

Gardênia Pereira
8 min readMar 16, 2021

“So show me, I’ll Show you

Você leu no ritmo da música, certo?
Não é de hoje que, ao se falar de música, fala-se também de emoção. A emoção é natural ao ser humano e criamos assim uma relação entre música, emoção e comportamento humano. Já falamos em como as relações pautadas entre fã e ídolo podem interferir na vida de ambas as partes. Segundo Galvão (2006) a música é uma das expressões fundamentais da cultura humana. A reação do ser humano ao discurso musical raramente é de indiferença, ou seja, amamos ou odiamos determinados sons.

Antes de falarmos sobre como o BTS de fato nos influencia, vamos voltar no tempo e pensar em nossa infância. Desde novos recebemos estímulos sonoros: canções de ninar, brinquedos que emitem efeitos sonoros, músicas infantis — geralmente no jardim de infância — além do próprio ambiente familiar, que pode interferir nos gostos e relações que criamos com os sons.

Muitos aspectos cognitivos estão envolvidos na atividade musical, englobando tanto o ato de aprender música quanto apenas escutá-la e apreciá-la. Aqui vamos explorar alguns deles: memória e ansiedade. A memória humana é um dos desafios da pesquisa psicológica. A busca pela compreensão do porquê lembramos de determinadas coisas e outras não. Por que associamos músicas à momentos e desenvolvemos sensações através disso? Felicidade, tranquilidade, emoção ou raiva, tristeza?

O autor da Psicologia, Skinner (2011), estudou a associação que fazemos entre dois estímulos (cheiro e um momento feliz, comida e um trauma de infância) e chamou de emparelhamento. Uma música que antes não significava nada, ao ser tocada no mesmo momento de um acontecimento feliz, interliga-se a esse momento e ficam armazenados na memória. Isso é uma das explicações encontradas para a ligação entre memória e música.

Mesmo com muito ainda a ser descoberto sobre o tema, ressaltamos que a pesquisa sobre memória musical está em constante progresso. Segundo Sacks (2007) a musicalidade é peculiar aos seres humanos e nenhum outro animal é capaz de ouvir e distinguir sons complexos. A nossa percepção musical é exclusiva da nossa espécie, justificando assim porque a temática interessa a tantos pesquisadores.

A ansiedade, muito presente no mundo atual, interfere muito no desempenho de tarefas cognitivas. Com o imediatismo que vivemos, essa condição passa ser o mal que acomete muitas pessoas. Dentre muitas técnicas de alívio da ansiedade, o ato de ouvir música pode um dos mais comuns, partindo do ponto que a música provoca sensações que causam efeitos racionais e físicos.

“Tudo Se Conecta Pelo Som”

A letra de Lights diz que “tudo se conecta pelo som” nos faz refletir sobre como a música de fato nos conecta.

MV — Lights

“Você me ilumina mesmo estando longe”

“Nós nos conectamos pelo som”

MV — Lights

E quando falamos sobre conexão, podemos pensar em várias maneiras: conexão com nós mesmos, com a arte, com pessoas e no nosso caso, conexão com artistas que estão do lado oposto do mundo.

“Brasil e Coreia, tem exatamente 12 horas de diferença. Nós moramos do outro lado do mundo, quando é 4 da manhã para gente, para vocês são 4 da tarde. E 10 horas da noite para vocês são 10 horas da manhã para gente. Um dia, é formado por dia e noite. Na Coreia, sempre vou lembrar do horário de vocês. Vocês que estão do outro lado do mundo, são a prova que o BTS está fazendo um ótimo trabalho.”

Kim Namjoon
Discurso no DVD Speak Yourself — São Paulo

MV — Lights

Armys usam músicas como Lights, 2! 3! e Mikrokosmos para se sentirem acolhidos e compreendidos. Podemos explicar isso com estudos que mostram que a música pode ser usada como objeto transferencial para angústia ou sofrimento, mesmo que não percebamos isso (Alfandary, 2015). Isso quer dizer que costumamos usar a música para expressar os sentimentos que não conseguimos entender ou comunicar.

Vemos que, seja em letras de músicas ou discursos, o BTS menciona sobre a importância de aceitar suas emoções. Robinson (2014) falou em sua pesquisa sobre como entender os sentimentos se torna mais fácil quando estes são identificados em músicas. Assim, não só os integrantes do BTS tentam passar o que sentem nas músicas, como também nos ajudam de muitas formas a perceber e interpretar o que sentimos. Notamos que, não só para os fãs, a relação criada pela música afeta também os membros, pois eles sempre reforçam como é fazer música e o que eles desejam transmitir.

“Já faz 5 anos que eu curto fotografia. O jeito que eu olho o mundo quando estou tirando fotos, e as emoções que sinto enquanto as tiro, são coisas que quero expressar através das minhas letras.” — Kim Taehyung

BREAK THE SILENCE: DOCU-SERIES

“ ‘Agora que somos cantores de sucesso, eu vou usar essa música para chegar ao topo dos charts’. Se eu abordar dessa forma, isso se torna sem sentido” — Min Yoongi

Ter um meio de expressão, principalmente ligado à arte, favorece um desenvolvimento saudável. Quando ouvimos música, cantamos e dançamos, podemos nos sentir mais enérgicos, inspirados, felizes. Temos a arte como forma de dizer o que sentimos sem precisar falar. Armys talvez sintam isso de forma mais especial, uma vez que nós vemos o BTS tão conectados à arte. Mais que o bem estar físico, essas atividades artísticas têm potencial para ajudar a construir autoestima, empoderamento e até habilidades sociais (Zarobe e Bungay, 2017).

Além do bem estar físico e emocional, podemos nos interessar sobre uma nova cultura, idioma e costumes quando escutamos uma música. Podemos notar isso quando vemos que o número de pessoas aprendendo coreano tem aumentado. O número de turistas na Coreia do Sul cresceu consideravelmente, assim como os K-dramas e outras formas de arte na Coreia tem sido muito valorizadas.

O Bangtan abriu as portas para que sua cultura seja levada ao mundo, expressada pelo famoso “BTS Paved The Way” ou “BTS Pavimentou o Caminho” — em tradução livre. Silva et al (2019) mostraram que a musicalidade contribui com a formação de relacionamentos com pessoas e sociedades diferentes da nossa. Podemos conhecer outras formas de pensar e criar através da música. O fandom, em específico, se expressa de diferentes maneiras através da arte conectada ao BTS. Muitos usam de escrita, desenhos e fanarts para expressarem seus sentimentos. Sempre que um conteúdo novo do grupo é lançado, a onda criativa invade as redes e somos agraciados com arte feita de fã para fã.

Música como Cura

É um propósito da Big Hit trazer músicas e artistas para “cura”, e os autores Zarobe e Bungay (2017) confirmam que música e arte podem sim ser terapêuticas — nesse caso, não se trata do processo psicoterapêutico e sim a forma como a música pode ser de fato terapêutica -.

Com isso, facilmente podemos nos conectar com o Bangtan e suas músicas. Muitos podem crescer em ambiente hostil e que possivelmente favorece transtornos como a depressão e ansiedade. O álbum Love Yourself é um grande exemplo de como a música conquistou muitas pessoas pelas mensagens de amor e respeito próprio. As letras dão sensação de amparo nessas situações prejudiciais ao desenvolvimento do indivíduo.

Entende-se que a música pode favorecer uma melhor compreensão de normas e valores do mundo, bem como ser forma de resistência diante de certas realidades (Silva et al, 2019). Temos exemplos disso nas músicas No More Dream, N.O e até Baepsae. BTS sempre tenta nos mostrar esperança e encorajar pensamentos críticos sobre o mundo em que vivemos.

Na jornada para amar a si mesmo, é preciso entender também que muitos elementos externos podem nos impedir de aceitarmos quem somos, como escola e trabalho, e os meninos sempre tentam nos fazer enxergar e questionar tais elementos. Então podemos levar a música como um instrumento de cura? Na Psicologia usamos a musicoterapia, realizada através de profissionais especializados na área. A técnica se define por intervenções baseadas no uso da música, tendo como finalidade criar uma relação terapêutica individual ou coletiva.

Pensando na singularidade de cada indivíduo, a prática da musicoterapia é avaliada caso a caso e pode variar entre: criação, canto, dança e audição de músicas em diferentes estilos musicais.

Importante mencionar que a prática dessa modalidade busca desenvolver aspectos físicos, emocionais, cognitivos e sociais, contemplando crianças, adolescentes e adultos. De acordo com American Music Therapy Association (AMTA) os resultados mais comuns são redução de estresse, mudanças positivas no modo de declarar emoções e aumento de confiança.

Sabe-se que em pacientes do espectro autista a musicoterapia é uma forte aliada no tratamento e desenvolvimento de habilidades. A musicoterapia é um assunto que temos muito a explorar, e em breve traremos novos conteúdos que retratam esse tema! É incrível o poder que a música tem sobre nós e como ela consegue quebrar barreiras e construir caminhos fantásticos.

“Com música, espero que possamos trazer sorrisos e coragem novamente. Em nossa música, em nossos corações e no momento em que nos separamos, também estamos juntos.” — Kim Namjoon

Nota: É importante ressaltar que essa análise é apenas uma interpretação, embasada em teorias psicológicas associadas ao contexto da(s) música(s). Não significa que seja uma verdade absoluta, assim como não significa propriamente o que o artista desejou passar através da letra da mesma.

Co-autoria: Alicia Mesquita
Revisão: Cristiane Machado e Elinaete Sabóia

REFERÊNCIAS:

  • American Music Therapy Association (AMTA). Disponivel em: https://www.musictherapy.org/
  • Alfandary R. An Instance of Emotional Absence of a Father Traumatized by War-Clinical Material and Musical Illustration. The American J. Psyco [Internet]. 2015 [acesso 2019 Jun 03]; 69(1): 19–33. Disponível em: https://psychotherapy. psychiatryonline.org/doi/full/10.1176/appi.psychotherapy.2015.69.1.19?url_ ver=Z39.88–2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%3dpubmed.
  • GALVÃO, A. Cognição, Emoção e Expertise Musical. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Mai-Ago 2006, Vol 22. n. 2 pp 169–174
  • SACKS, O. Alucinações Musicais: relatos sobre música e o cérebro. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
  • Silva, A. L. M.; Anchieta. M.; Ferreira, M. A.; Tavares, I. C. L. A relação entre comportamento social em adolescentes e música: uma revisão sistemática. J Health Biol Sci. 2020 J; 8(1):1–7.
  • Skinner, B. F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Editora Cultrix, 1 ed. 2011.
  • Robinson, C. Dreams & nightmares: What hip-hop can teach us about Black youth. Washington: American Psychological Association; 2014 [acesso 2019 Maio 07]. Disponível em: https://www.apa.org/pi/about/newsletter/2014/05/ hip-hop.
  • Zarobe L, Bungay H. The role of arts activities in developing resilience and mental wellbeing in children and young people a rapid review of the literature. Persp Public Health. 2017 Jun 14 [2019 Maio 7]. Disponível em: https://journals. sagepub.com/doi/abs/10.1177/1757913917712283.
  • MV Lights — . 02 de julho de 2019. YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eaUpme4jalE>

--

--

Gardênia Pereira

Psicóloga e pós graduada em Neuropsicologia. Escrevo sobre saúde mental, música e comportamento.