‘Black Swan’: Uma análise Psicológica
Esta é uma análise psicológica que partirá de uma visão comparativa entre o MV e o Art Film de Black Swan do BTS, e do filme, de mesmo nome, dirigido por Darren Aronofsky — conhecido por dirigir filmes com conteúdo que exploram a psique e os extremos do ser humano (Réquiem para um sonho, Mãe, Noé).
Começamos pelo ponto em que a arte nos ensina que em tudo há beleza, até mesmo na morte. Ilustra a morte como uma etapa da vida, como o fim de um ciclo. Como se algo que se tornou ruim, morresse, para que o que ficou de bom pudesse renascer de forma mais brilhante e intensa. Partimos, então, do ponto que Black Swan é um renascimento da arte do BTS.
Em relação a parte “mortal” da arte, e em primeiro momento relacionando apenas a letra da música:
“Meu coração já não acelera mais ao ouvir a música tocar,
está tentando parar, é como se o tempo tivesse parado, oh
essa seria minha primeira morte, da qual eu sempre tive medo”
Podemos então, deduzir que o primeiro medo de um músico não seria perder o amor genuíno pela música? Ou no caso descobrir que sua imagem é mais consumida do que a arte que ele tanto se esforça para criar? Essa seria a primeira morte, e os sete juntos, seriam o cisne. Nesse ponto também relacionamos à busca da perfeição, a crítica a indústria que exige o público, os charts, os estereótipos, a fetichização, etc.
Dentre muitas mensagens conhecidas de Martha Graham, uma que também se relaciona com o conceito da música e do MV é: “Grandes bailarinos não são grandes por causa da sua técnica, eles são grandes por causa da sua paixão”. Podemos conectar com a mensagem do medo do BTS em perder a paixão por aquilo que faz. O quanto longas horas de prática em busca da perfeição levam à essa exaustão e pode gerar um perda de interesse? E, o que é um artista sem paixão?
Essa busca constante pela excelência pode ser vista em larga escala dentro do filme “Cisne negro”, mas além da busca pela perfeição e da competição consigo mesmo para se superar, também ilustra o quadro da saúde mental e como a protagonista Nina se corrompe quando tenta alcançar algo que é imposto sobre ela.
Começamos, então, as relações entre a música, o MV e o filme. As narrativas entre os três se encontram em muitos momentos. O MV começa com todos os membros vestidos de branco em um teatro, podemos associar com a Nina, interpretada por Natalie Portman, que é considerada a bailarina perfeita para o papel de cisne branco e constantantemente está nos palcos.
Acreditamos que, a escolha do teatro é como o “habitat” e local de trabalho de um bailarino, assim como o palco é o local de trabalho do grupo, onde suas personas se manifestam. Em uma totalidade, embora estamos analisando pelo viés da dança, a arte está presente de diversas formas no MV, tudo compõe: a cenografia, os figurinos, luz e o próprio cenário, bem como a filmagem e os movimentos de câmera.
São diversos aspectos da arte, tudo em Black Swan — tanto MV quanto Art Film- respira arte.
No início do MV, todos os membros do grupo, mas especificamente o Jimin, possui os movimentos delicados do cisne branco, o detalhe de suas mãos como as mãos de uma bailarina clássica: dedo médio mais abaixo dos outros e dedo polegar “fechado”.
Nina começa, impecável como cisne branco. Ela mostra um desempenho técnico extraordinário, porém, para a peça, ela nutre a ambição de também interpretar o cisne negro. No filme fica perceptível que, para as características do cisne negro, Nina não é tão qualificada, lhe falta atitude e ousadia para tal. Após esse ponto no filme, começamos a perceber que ela não é uma narradora tão confiável, visto que, durante algumas cenas, não se sabe o que é verdade ou uma alucinação.
A partir do ponto que ela encara o desafio de transitar entre cisne branco e cisne negro, nota-se que ela se funde entre Persona e Sombra. Cabe aqui dizer os conceitos, baseados na teoria de Jung: Persona se define por ser não aquilo que se é realmente, mas aquilo que se acha que é e o que as pessoas acham que se é. É uma combinação das expectativas do sujeito consigo mesmo com as expectativas da sociedade quanto ele próprio. E Sombra é o oposto, o que se tenta esconder, o que está oculto e muitas vezes é o que se projeta no outro.
Nina, que até o momento se mostrava uma perfeita intérprete do cisne branco, dá indícios de que, na verdade, era apenas sua persona. Ela era/mostrava o que a mãe queria que ela fosse, o que o coreógrafo esperava que ela fosse, mas na verdade é ela o cisne negro. Ela mostrava toda a sua agressividade e impulsividade reprimida, quando começava a imergir no universo do cisne negro.
Persona: “Quem Sou eu?”
Sombra: “Eu sou você.”
Em muitas cenas há um espelho ao fundo, e podemos notar que o posicionamento da câmera mira seu olhar não sobre a personagem, mas sim na imagem refletida no espelho. A contradição imposta sobre Nina é que o papel com o qual ela alcançará o tão sonhado protagonismo no balé, é exatamente o papel que a exige a abandono da sua imaginada perfeição.
No MV de Black Swan, os espelhos também aparecem, o que mostra a ligação com o filme e contexto. O espelho, para a psicanálise e para a literatura, representa a busca pelo íntimo, a busca pelo que há no interno, a busca pelo outro que habita nele próprio.
O espelho também está muito presente no dia a dia de um bailarino, os ensaios e aulas, ele está sempre ali. O dançarino está sempre se cuidando e conferindo seu trabalho através dele. Muitas vezes se torna uma bengala, o bailarino se preocupa demais com ele, assim como podemos ver Nina no filme. Esse detalhe, pode atrapalhar sua performance, seus movimentos e sua paixão na tentativa de perfeição. O que nos leva ao questionamento, no palco, onde está o espelho? Quão vulneráveis estão os artistas?
O espelho que dava suporte à imagem de Nina começa a rachar. O drama do filme está justamente na separação física e psicológica da personagem. Essa rachadura podemos associar à ambiguidade de Nina, ela se perde entre Persona e Sombra.
Existem muitos pontos que fazem de Nina uma personagem tão complexa e ambígua. Esses pontos se iniciam pela perspectiva não confiável da Nina, visto que é a visão de uma psicótica, e passam pela relação com a mãe, a decoração infantilizada do seu quarto, seu comportamento reprimido até sua busca incansável pela perfeição. Para Nina não houve algum tipo de harmonia que conseguisse organizar o equilíbrio psíquico posto pelo “cisne negro” no domínio e selvageria que era colocado, pelo doce e perfeito “cisne branco”. Nina se deixa tomar pelo Cisne Negro e, tal como no enredo do Balé, consegue a perfeição, mas tendo um fim trágico para tal.
Voltando a música e ao M/V o trecho abaixo faz referência que, para o autoconhecimento, é preciso mergulhar e abraçar suas sombras, usá-las a seu favor. Como, por exemplo, o próprio BTS utilizando “hate” e inseguranças as transformando em produções de músicas repletas de críticas e outras carregadas de mensagens positivas.
“Mais fundo
Sim, acho que estou indo mais fundo
Eu continuo perdendo o foco
Não, me solte
Deixe os meus próprios pés me guiarem
Eu vou mergulhar em mim mesmo
No meu mais profundo interior”
É necessário ficar vulnerável, estar disposto a mergulhar para acessar e trabalhar em seu autoconhecimento. No caso do BTS, essa viagem para suas almas é exposta por meio das letras e MVs.
“Mas eu nunca mais serei arrastado para longe
No interior
Eu me encontrei, me encontrei”
Atentando-se ao figurino, assim como no filme, podemos ver o uso de elementos considerados mais sensuais, tendo como exemplo a cena do filme em que Nina começa a se vestir diferente da forma menos “recatada” que usava. No MV, notamos o uso de corset e o tecido de couro. Elementos que também estão presentes no imaginário da fetichização.
Podemos notar essa transição das roupas brancas para as pretas, visto no icônico momento em que surgem asas negras em Jimin. Vemos o movimento no qual seu peito -onde o coração justamente está- se abriu, realizando um cambré¹. No filme, também podemos ver no palco, quando Nina está realizando os fouettés², suas asas se abriram. Ela realizou os giros com essas asas, e é quando ela se deixa ser tomada pela sombra.
OPS! Já vi isso em algum lugar!
Você já deve saber que para o BTS nada é por acaso e tudo está relativamente interligado, certo? A partir de agora, mostraremos algumas relações que encontramos em músicas e MV’s. Começaremos por Blood, Sweat & Tears, levando em consideração algumas especulações de que a era atual — Map of the Soul 7- vai de encontro à era Wings.
“Meu sangue, suor e lágrimas, minha última dança”
O trecho inicial nos lembra uma passagem de Black Swan que expõe a “primeira morte”, que no caso associamos ao bailarino, a última dança, é sua primeira morte. Além disso, alguns elementos no MV são como parte de um déjà vu. O ‘personagem’ do Jin é instigado a ir de encontro com seu aspecto tenebroso- representado pela estátua de asas negras. E por fim a rachadura no rosto, que simboliza a fragilidade causada pelos conflitos entre sua pureza e estigma dentro dele.
Outra referência, é que em Shadow, novamente temos uma cena que remete à espelhos, além de que Yoongi diz:
“É, eu sou você, você sou eu, agora você sabe.
É, você sou eu, eu sou você, agora você sabe.
Nós somos um só corpo, às vezes vamos nos enfrentar, Mas você não pode me quebrar, disso você pode ter certeza”
Novamente, isso pode indicar que, apesar de serem sete pessoas diferentes, eles ainda vivem e compartilham a mesma situação e enfrentam toda a estereotipação de perfeição imposta sobre os mesmos todos os dias.
Metáforas representam algo que seria profundo, símbolos. Segundo Aristóteles (1997), seria transferir para uma coisa o nome de outra. Para Skinner (1957), autor renomado na Psicologia, é quando não encontramos palavras para uma explicação “tradicional” e ilustramos por meio de simbolismos. Especificamente nas letras de Black Swan e Shadow, eles usam metáforas, parecem perceber que estão “afundando” e “em transe”. Mais uma vez, pode fazer alusão a críticas por padrões de vida que os outros controlam e impõem.
Em Psicologia Musical, o significado das músicas tem relação com a emoção. A ligação da música com linguagem se dá pelas reações das pessoas frente àquela música, considerando não só ritmo, harmonia e melodia, mas também história de vida, cultura, pensamentos e até aspectos biológicos (Vargas, 2012). Relacionado a isso, e para finalizarmos aqui esta análise, percebemos que o BTS é um grupo que não tem medo de perder números, ele tem medo de perder amor pela arte presente dentro daquilo que ele cria. Ele busca trazer uma relação visível e intensa entre a arte e o artista, e mostrar como juntos eles se tornam um só, mostra o quanto arte e artista estão interligados, mas que o artista não é o foco, e sim sua arte.
Assim, como estudantes e trabalhadores do mundo todo, o BTS provavelmente busca expressar suas angústias. Constroem um sentimento de identificação com pessoas que levam a vida sem perceber quais são seus reais sonhos, presas em cursos e trabalhos que não fazem seu coração palpitar e que precisam remar contra a maré, guiando a si mesmas. Portanto acreditamos que o MV quanto o Art film, é uma reconexão do BTS com a arte, ou seja, a comprovação de que ainda há amor real pela música, apesar do lado feio e doloroso da fama. Vão sem medo e de encontro às suas sombras.
Nota: É importante ressaltar que essa análise é apenas uma interpretação, embasada em teorias psicológicas associadas ao contexto da música. Não significa que seja uma verdade absoluta, assim como não significa propriamente o que o artista desejou passar através da letra da mesma.
Co-autoria: Alicia Mesquita; Jordana Blue Beene; Catharina Maciel
Revisão: Lale e Rafaela Silva
GLOSSÁRIO:
- CAMBRÉ: do francês, vocabulário do ballet; inclinado, curvo. Uma dobra na cintura, para trás.
- FOUETTÉ: do francês, vocabulário do ballet; chicoteado.
O termo também se refere ao movimento de articulação em que realizado de forma rápida sobre a perna de base muda a orientação do corpo.
REFERÊNCIAS:
- Aristotle (1997). Aristotle’s Poetics. Montreal: McGill-Queens University Press.
- Black Swan — BTS. Youtube. 04 de março de 2020. Disponivel em: <https://www.youtube.com/watch?v=0lapF4DQPKQ>
- Black Swan (2010) — [FILME]; Direção: Darren Aronofsky- Estados Unidos.
- Blood Sweat & Tears — BTS. 09 de outubro de 2016 — YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hmE9f-TEutc>
- Jung, C. G. Definições (1920). In: Obras completas. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. v. 6.
- MAP OF THE SOUL : 7 ‘Interlude : Shadow’. 09 de janeiro de 2020. YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PV1gCvzpSy0>
- Skinner, B. F. (1957). Comportamento Verbal. Cambridge, MA: B. F. Skinner Foundation.
- Vargas, M. E. (2012). Influências da Música no Comportamento Humano: Explicações da Neurociência e Psicologia. São Leopoldo: Congresso Internacional da Faculdades Est, v. 1, p. 944–956.